Artigo: Análise Crítica das Alterações do Setor de Mineração Nacional
27 de setembro de 2017
Análise Crítica das Alterações do Setor de Mineração Nacional rnPor: Marcelo Pires Torreão*
No mês de julho de 2017, foram editadas três medidas provisórias com o objetivo de revitalizar a legislação brasileira no setor de mineração. Em resumo, a MPV 789 trouxe alterações tributárias; a MPV 790 atualizou as disposições do Código de Mineração; e a MPV 791 criou a Agência Nacional de Mineração (ANM). Em agosto, foi editado Decreto nº 9.142, que permitiu a pesquisa mineral na Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca). Após protestos, esse decreto foi revogado e um novo texto foi publicado por meio do Decreto nº 9.147, que trouxe esclarecimentos sobre a pesquisa na região. Ainda assim, os protestos persistiram e o governo federal decidiu suspender todos os procedimentos na área por quatro meses, a fim de ampliar os debates com a sociedade. Por fim, no dia 25/09/2017, o governo editou o Decreto 9.159, que revogou a pesquisa mineral na Renca.
Este artigo traz uma breve análise crítica dessas modificações legislativas com a finalidade de identificar quais alterações representam um avanço e quais representam um retrocesso para a área da mineração brasileira.
A primeira Medida Provisória, de número 789, alterou as alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Com essa alteração, alguns minérios permaneceram com a alíquota inalterada, como o carvão mineral, que se manteve em 2%. Outras substâncias tiveram acréscimo de carga tributária, como por exemplo o ouro, que teve a alíquota majorada de 1% para 2%, de acordo com a tabela tributária inserida no anexo do texto normativo.
A alteração mais relevante diz respeito ao minério ferro, justamente o mais comercializado na mineração brasileira. Pela redação original da Lei nº 8.001/90, esse minério era tributado na alíquota de 2%. Com as alterações da MPV 789, as alíquotas passam a variar entre o mínimo de 2% e o máximo de 4%, de acordo com a cotação internacional medida pelo índice norte-americano Iodex (Platts Iron Ore Index).
Além da elevação das alíquotas, o texto também mudou a base de cálculo dos royalties da mineração. A legislação antecedente estabelecia a receita líquida como base de cálculo da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. Em outras palavras, o cálculo para aplicação do percentual de compensação era realizado a partir das receitas das vendas, subtraídos os tributos de comercialização, as despesas de transporte e os respectivos seguros. Pela nova legislação, a base de cálculo passou a ser receita bruta da venda do minério, sem possibilidade de dedução das despesas inerentes ao transporte das mercadorias, por exemplo (artigo 2º, caput, da Lei 8.001/90 com as alterações promovidas pela MPV 789). A mudança da base de cálculo representa significativo aumento de custos para a atividade mineral, pois o gasto com transporte, especialmente o rodoviário, é justamente um dos grandes responsáveis pelo encarecimento da produção nacional no setor da mineração. Essa acentuada carga tributária prejudica o desenvolvimento da atividade no cenário interno e dificulta a competitividade da indústria de mineração brasileira no plano internacional.
No mercado brasileiro, os projetos de melhoria de infraestrutura estão diretamente ligados ao campo da mineração, especialmente aqueles direcionados à construção de moradias, implantação do saneamento básico, distribuição de água, fornecimento de energia elétrica e melhoria da mobilidade coletiva. Cimento, areia, ferro, aço, cobre e alumínio são a base para qualquer construção, transmissão de energia, distribuição de recursos hídricos e transporte público. Dentro da cadeia produtiva da mineração, estão presentes os bens de consumos mais importantes para a vida em sociedade, desde a produção de um tijolo até a fabricação de um chip de alta tecnologia. Por isso, a mineração moderniza e aperfeiçoa os padrões de vida dos brasileiros nas áreas rurais e nos centros urbanos.
Embora seja imprescindível o estímulo da mineração como fator de desenvolvimento estrutural interno, a maior parte da produção da indústria brasileira é destinada à exportação. Isso ocorre porque as operações destinadas ao mercado externo são beneficiadas com desonerações dos impostos sobre o valor agregado. Se houvesse desoneração tributária interna, incentivo fiscal ou sistemas de apoio governamental nas atividades voltadas para o mercado nacional, o setor poderia se voltar ao atendimento das necessidades de desenvolvimento e infraestrutura brasileira.
No cenário internacional, a pesada carga tributária brasileira também é capaz de prejudicar o grau de competição das empresas nacionais. Uma análise realizada pela Auditoria EY (antiga Ernst & Young) estudou os encargos e tributos dos 12 principais minérios nacionais e realizou um comparativo com os 20 principais países concorrentes do setor. O estudo concluiu que o conjunto de encargos tributários, financeiros e compensatórios da mineração brasileira é o mais elevado desse grupo de países. Mesmo com o maior peso tributário, a mineração brasileira costuma praticar preços competitivos no cenário mundial. Se fossem reduzidos os encargos que pesam sobre o setor, a mineração brasileira seria ainda mais competitiva, com chances de assumir o posto de liderança da produtividade mundial.
A nova elevação tributária promovida pela MPV 789 não afeta apenas as empresas da mineração, mas também o trabalhador, que passa a conviver com o risco de aumento do desemprego. A indústria mineral responde por cerca de 4% do total do Produto Interno Bruto do País e também é responsável pela criação de vagas de emprego ao longo de toda a cadeia produtiva, desde a extração dos minérios até a montagem final e transporte dos produtos. A título ilustrativo, para cada posto de trabalho de uma mineradora correspondem outros treze empregos distribuídos na transformação da base mineral, fornecedores, subcontratados, transportadores etc.
A MPV 789 afetou ainda o consumidor final, que será onerado com o aumento dos preços dos produtos. Esse aumento não se restringe apenas aos eletrônicos, eletrodomésticos e produtos de construção civil, mas atinge também os alimentos consumidos na mesa dos brasileiros. Afinal, a atividade de mineração envolve a extração de macronutrientes, como nitrogênio, fósforo e potássio, essenciais nas atividades de agricultura e pecuária, para a produção de corretores de solo, fertilizantes e rações.
Portanto, ao incrementar a carga tributária nas atividades de mineração, a alteração normativa trazida pela MPV 789 prejudicou tanto a empresa quanto o cidadão e criou mais um obstáculo para o desenvolvimento da economia brasileira nesse setor tão importante para a economia nacional, embora frequentemente esquecido pelos governos que o regulam.
Já a Medida Provisória nº 790 trouxe alterações no texto do Código de Mineração e na Lei do Regime Especial de Exploração de Minerais. O novo texto adequou as práticas brasileiras aos padrões, critérios e condutas internacionalmente aceitas. Essa adequação passou a ter previsão expressa no tocante à definição das jazidas e respectiva declaração de resultados (artigo 7º, § 2º, do Decreto-Lei 227/67, alterado pela MPV 790). Da mesma forma, o conteúdo e as orientações dos trabalhos de pesquisa, além dos relatórios circunstanciados e de progresso passaram a observar as disposições dos códigos internacionais de mineração (artigo 22, V e VI, e § 6º, do Decreto-Lei 227/67, alterado pela MPV 790).
O Brasil possui seu próprio Guia da Comissão Brasileira de Recursos e Reservas (CBRR), com relevantes condutas que são e continuarão sendo utilizadas nas atividades de mineração. Os códigos internacionais trazem as recomendações de boas práticas para informar investidores sobre os projetos de mineração e utilização de normas na definição, modelagem, validação, avaliação, categorização dos recursos minerais, além da sua transformação em reservas minerais. Nesse ponto, os principais códigos internacionais de mineração representam vasto e eficiente amparo regulador às atividades de mineração, tais como aqueles produzidos pelo CRIRSCO (Commitee for Mineral Reserves International Reporting Standards); pela SME (Society of Mining, Metallurgy and Exploration); pelo CIM (Canadian Institute of Mining, Metallurgy and Petroleum); e pelo SAMREC (South African Mineral Resource Commitee).
Outro avanço trazido pela MPV 790 diz respeito à continuidade nos trabalhos da pesquisa mineradora. Pela legislação anterior, quando era entregue o Relatório Final de Pesquisa, o empreendedor estava impedido de seguir com a atividade até a publicação da respectiva Portaria de Lavra e Relatório de Reavaliação de Reservas (RRR). Em outras palavras, a mineradora não poderia realizar as conversões de recursos em reservas ou refinar a malha de pesquisa até que fosse sanada essa fase burocrática, período no qual a atividade permanecia paralisada.
Pelo novo texto, após o término da fase de pesquisa, o titular ou o seu sucessor pode dar continuidade aos trabalhos, por meio de simples comunicação prévia, inclusive quanto às atividades de campo, com o objetivo de converter os recursos medidos ou indicados em reservas provadas ou prováveis, que futuramente serão consideradas no plano de aproveitamento econômico, bem como para o planejamento adequado do empreendimento.
A terceira alteração legislativa consta na Medida Provisória nº 791, que criou a Agência Nacional de Mineração (ANM), vinculada ao Ministério das Minas e Energia. Tal como ocorre com as demais agências reguladoras, a ANM adotará a forma jurídica de autarquia especial, com autonomia administrativa, financeira e decisória. A nova agência reguladora assumirá as funções que desde o ano de 1934 vinham sendo desempenhadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e também desenvolverá outras atividades de maior abrangência, tal como a implantação das orientações, diretrizes e políticas nacionais de mineração.
Em linhas gerais, a agência surge com o papel de intensificar a necessária fiscalização e tornar mais célere a expedição dos títulos de Pesquisa e Lavra, desburocratizando o procedimento de outorga desses títulos. Os dados de geologia básica serão mais facilmente fornecidos às empresas mineradoras, o que facilitará a prospecção e a pesquisa mineral.
Para o exercício do controle e poder de polícia da agência, foi instituída a Taxa de Fiscalização de Atividades Minerais (TFAM). Os valores variam de R$ 500,00 a R$ 5.000,00 e deverão ser recolhidos até o dia 30 de abril de cada exercício financeiro por todos aqueles titulares de direito minerário que se encontrem sob os regimes de autorização de pesquisa, concessão de lavra, licenciamento e permissão de lavra garimpeira.
Não houve aumento de despesas no exercício em curso, pois os cargos do quadro de pessoal do extinto DNPM serão absorvidos pela Agência Nacional de Mineração. O quadro atual dessa agência reguladora, composta principalmente por técnicos de mineração, geólogos, engenheiros de minas, profissionais de geoprocessamento e computação, estará dividida nos cargos de técnicos em atividades de mineração, analistas administrativos e especialistas em recursos minerais.
Para o setor da mineração, a criação de uma agência reguladora especializada surge como uma forma de revitalizar a área, por meio de procedimentos mais eficientes, direcionados e desprovidos de entraves burocráticos. A desatualizada regulação e a falta de quadros normativos claros no campo da mineração significavam uma insegurança para as empresas e investidores do setor, que preferiam direcionar seus esforços a outros países em que o suporte jurídico garantidor da atividade econômica pudesse se desenvolver de forma mais previsível. Portanto, com o desenvolvimento das atividades da ANM, espera-se agilidade e retorno aos investimentos na mineração nacional
Por fim, as últimas inovações legislativas dizem respeito à possibilidade de pesquisa mineral na Reserva Nacional do Cobre e Associados (RENCA), que foi disciplinada nos Decreto nº 9.142 e 9.147, editados em agosto de 2017. Após a publicação, disseminaram-se equivocadas informações em redes sociais no sentido de que esses decretos permitiriam a degradação ambiental na região da Amazônia.
Na verdade, esses decretos autorizaram a realização de pesquisas geológicas para avaliar o verdadeiro potencial mineral em subsolo e assim abrir a possibilidade de empresas implantarem empreendimentos legais, sustentáveis e amplamente fiscalizados, inclusive no que diz respeito à preservação do ecossistema. Não foi autorizado nenhum tipo de redução na área de preservação.
O norte do país e a região amazônica têm sofrido pela atual exploração realizada por garimpeiros ilegais de forma poluente e degradante. Essa atividade frequentemente polui os cursos de água e é acompanhada de desmatamento de grande extensão. Os bancos de dados geográficos revelam que na última década uma área equivalente ao município de São Paulo foi desmatada apenas pela atividade de garimpo ilegal, especialmente de extração de ouro, na América do Sul.
Já a mineração legal necessariamente apresenta alto nível de sustentabilidade, baixo impacto ambiental e elevado percentual de recomposição. O processo de reciclagem mineral é empregado por todas as empresas de mineração, seja por reduzir o impacto ambiental seja por otimizar os gastos de produção. A atividade de mineração é integrada predominantemente por micro e pequenas empresas, que juntamente com a população local desenvolvem atividades de proteção ao ecossistema e melhoria da qualidade de vida comunitária. Segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), a existência de atividade mineradora é capaz de refletir positivamente na qualidade de vida dos habitantes. Por essa razão, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos principais municípios onde é exercida a atividade de mineração costuma ser superior à média observada nos respectivos estados. É o que ocorre em Nova Lima (MG); Parauapebas (PA); Barro Alto (GO); Ariquemes (RO); e Criciúma (SC).
A pesquisa na Renca destinava-se especialmente a analisar capacidade de reserva do minério de cobre na região. Portanto, não se trata de uma exploração de ouro, como inadvertidamente se registrou em informações disseminadas. O cobre é um metal indispensável à geração de formas alternativas de energia. O uso do cobre nos cabos verticais de energia eólica, além de aumentar a resistência, diminui a perda de energia dissipada. O cobre também torna mais eficaz o processo de geração de energia fotovoltaica e melhora o desempenho dos modernos motores elétricos, tornando-os menos poluentes.
Após os protestos, o governo federal havia decidido suspender todos os procedimentos referentes às pesquisas na área durante quatro meses para debates com a sociedade. Nesse prazo, a população deveria ser informada e conscientizada quanto às formas de proteção ambiental nessa específica região, mas também quanto às necessárias atividades de mineração nacional. A atuação popular seria indispensável para um debate esclarecedor, com a tomada de decisões de forma participativa e consciente.
Todavia, por meio do Decreto 9.159, revogou-se a possibilidade de pesquisa mineral na região. Em vez de utilizar desse período de quatro meses para estimular debates e opiniões enriquecedoras, o governo preferiu fugir do enfrentamento de temas polêmicos e colocou fim à questão em menos de quatro semanas. Mais uma vez, o necessário debate sobre a ampliação do setor mineral com vistas ao desenvolvimento econômico do país, mediante o uso racional, fiscalizado e com proteção ambiental dos recursos naturais ficará para o próximo governo.
* Marcelo Pires Torreão é advogado especialista em Direito da Regulação, Defesa da Concorrência e Advocacia nos Tribunais Superiores. É sócio do escritório Torreão, Machado e Linhares Dias – Advocacia e Consultoria.