ARTIGO ESTADO DE S. PAULO: DESASTRE EM MARIANA, TRAGÉDIA INSTITUCIONAL
19 de novembro de 2015
Supram, Semad, Copam, Sisema, Feam. O que essas siglas têm em comum? Todas estão envolvidas no desastre em Mariana (MG).
Supram, Semad, Copam, Sisema, Feam. O que essas siglas têm em comum? Todas estão envolvidas no desastre em Mariana (MG). Nenhum desses órgãos governamentais do Estado de Minas Gerais conseguiu evitar o rompimento das barragens em Mariana ou reduzir o risco da atividade mineradora sensivelmente.
Isso revela não a culpa desses órgãos, mas a ineficiência na sua operação para atividades de risco. Se nenhum desses órgãos conseguiu impedir o desastre, é preciso, então, perguntar se algum deles conseguirá reduzir os riscos de um próximo evento. Conseguirão? Não acredito, se o enfoque do debate continuar o mesmo.
A mídia, em geral, e a população alarmista não colaboram para um debate construtivo. Não é a “voracidade por lucros” ou a negligência da mineradora Samarco e de seus controladores que fizeram as barragens se romperem. O que a Samarco e seus controladores ganhariam sendo negligentes e elevando o risco de desastre?
Não podemos esperar também que o viés jurídico e técnico do Ministério Público encontre, no tempo recorde de 30 dias, todas as respostas para essa complexa questão política. A atribuição de responsabilidade atenderá aos interesses das populações afetadas? E o mais importante: impedirá que outros desastres voltem a ocorrer na mesma extensão presenciada? Reduzirá riscos?
É importante ressaltar que não existe qualquer evidência nesse sentido na literatura internacional sobre gerenciamento de crises e mitigação de riscos. A investigação sobre os fatores que levaram a esse desastre deve partir de um enfoque mais amplo: sobre como funcionam os órgãos governamentais envolvidos.
As decisões tomadas por esses órgãos “antes” que esse evento acontecesse.
Vejamos: a Superintendência Regional de Regulamentação Ambiental (Supram) e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) emitiram as licenças de operação, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou essas licenças, o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Minas Gerais (Sisema) afirmou que a barragem do Fundão estava em situação regular e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) apontou o alto risco, mas assegurou a estabilidade da barragem.
Ora, como se vê em informações coletadas em matérias jornalísticas, é possível concluir que todos esses órgãos falharam nas suas auditorias ou nos seus respectivos sistemas de fiscalização.
Alguns argumentam, contudo, que licenciamento nada tem que ver com risco, logo, se algo der errado, a culpa recai sobre quem assumiu o risco. Outros defendem o extremo oposto, enfatizando a legalidade da operação, eximindo de culpa quem gerenciava o risco.
Nenhum desses argumentos contribui para a reformulação das políticas públicas que tratam de atividades de riscos. É preciso cuidado com formalidades e simplificações que tentam explicar (e encerrar) questões complexas, bem como evitar atribuir a responsabilidade a setores e órgãos específicos.
O Ministério Público, assim como o governo federal, rapidamente apontou como causa do desastre “erro de operação e negligência no monitoramento”. Mas de quem, só da Samarco?
As populações vulneráveis e com alta exposição a riscos apenas se tornarão mais resilientes se a máquina pública exigir que o setor privado esteja comprometido com o bem-estar da população em risco, como defendeu com lucidez o prefeito de Mariana. E, para que esse comprometimento do setor privado reflita nas decisões empresariais, é necessária uma administração pública mais transparente, participativa e eficiente. E para que ocorra maior transparência nas decisões conjuntas, ampla participação da população no desenvolvimento de políticas públicas e eficiência na implementação dessas decisões, é preciso um maior equilíbrio entre o poder que vem de cima e de baixo.
Os órgãos executivos de Minas Gerais devem melhorar seus canais de governança para atividades de risco, especialmente no que se refere à expansão dos espaços para o debate público, do treinamento de seus funcionários e do monitoramento dos códigos de conduta. Da mesma forma, os movimentos populares devem continuar se organizando para reivindicar uma maior influência nas questões, atuais e futuras, que afligem seu dia-a-dia. Foi a falta deste equilíbrio político, questão mais relevante do que o jogo de culpas, que impediu um menor número de perdas humanas e de enormes prejuízos econômicos e ambientais nessa tragédia institucional.
Fonte: Marvin Starominski – Austrália