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No vilarejo minerador de Colquiri, a impressão é que o mundo globalizado ainda não chegou a esse local de ar rarefeito do platô andino na Bolívia. Essas terras áridas e ricas em estanho, zinco e prata financiaram o império da Espanha e depois alimentaram o nascimento da república boliviana.
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Os mineradores nativos, o grupo mais pobre de um dos países mais pobres da América do Sul, estão agora convencidos que é sua vez de dar o troco. “Estamos recuperando o que é nosso, o que sempre deveria ter sido nosso”, diz Severino Estakani, limpando o suor que corre por baixo do capacete.
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No fim de junho, o governo revogou a licença de mineração de estanho e zinco da Sinchi Wayra, em Colquiri, depois que cooperativas de mineiros e grupos indígenas brigaram para tomar o controle da mina à força. A Sinchi Wayra é uma subsidiária da Glencore, negociadora de commodities listada na Bolsa de Valores de Londres.
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Hoje, soldados do Exército boliviano guardam a entrada do vale em forma de “V” que abriga os casebres de tijolo cru que abastecem a mina. Numa placa recém-pintada está escrito: “Colquiri Mining Company”, com a logomarca da Comibol, o grupo minerador estatal boliviano.
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A estatização foi o primeiro de uma série de revezes para mineradores estrangeiras que operam no país andino sem acesso ao mar.
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Evo Morales, o primeiro presidente indígena do país, assumiu há seis anos prometendo dar poder à maioria indígena há muito marginalizada, que vem pressionando cada vez mais o governo a assumir um papel maior na administração dos recursos naturais.
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Morales deverá ficar sob mais pressão, já que enfrentará eleições em 2014. “Temos a autorização, como governo, para recuperar tudo que já foi nosso e depois privatizado durante o modelo neoliberal do fim dos anos 90”, disse ao “Financial Times” Luiz Arce, ministro das Finanças da Bolívia. “A Glencore sabia o que estava por vir.”
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Mas pessoas familiarizadas com as operações bolivianas da empresa afirmam que a ideia de que a Glencore foi alertada antecipadamente que a maré política havia se voltado contra ela é “ridícula”.
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A Glencore, que comprou a Sinchi Wayra em 2004, de uma empresa controlada pelo ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, opõe-se à estatização da Colquiri, chamando a atenção para seu investimento de US$ 80 milhões nas operações bolivianas e ao pagamentos de mais de US$ 300 milhões ao governo e à Comibol.
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Na Bolívia, porém, a percepção clara é que as privatizações feitas na década de 1990 e início dos anos 2000 foram ruins para o país.
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No mês passado, o governo também retirou a licença de Malku Khota, projeto de exploração de prata concedido em 2007 para o grupo canadense South American Silver. “Nos últimos meses, as autoridades bolivianas vêm enfatizando que as estatizações estão relacionadas a ativos que já foram estatais e que os investimentos privados estão protegidos”, disse Greg Johnson, presidente-executivo da empresa, ao “Financial Times”.
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Em julho, a indiana Jindal Steel Power saiu da Bolívia após cancelar um contrato de exploração de ferro de US$ 2,1 bilhões, depois de longa batalha com o governo.
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Executivos do setor dizem que o governo boliviano está pondo em risco os investimentos no setor e pode perder esses investimentos para países vizinhos, como Chile e Peru, onde o ambiente regulador está melhor estabelecido.
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“A Jindal não foi estatizada, como a Sinchi Wayra e a Malku Khota, que enfrentavam explosões de violência de grupos indígenas que queriam que o Estado fizesse parte delas”, diz Bernardo Prado, consultor de mineração de La Paz. “Mas, nos três casos, a posição irredutível do governo não ajudou e agora todas estão nas mãos da Comibol.”
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A South American Silver avalia acelerar os seus projetos de mineração de cobre e ouro no Chile. “Há um mundo enorme por aí onde investir”, diz Johnson. “Quando os governos interferem, isso pode ter um efeito duradouro sobre os investimentos em exploração.”
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A Bolívia não deverá sentir um impacto imediato da queda dos investimentos estrangeiros, uma vez que os preços em alta vêm garantindo um fluxo de receita forte para o governo nos últimos anos.
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A receita de exportação de minérios cresceu 50% no ano passado, para US$ 3,7 bilhões, e já subiu quase cinco vezes desde que Morales assumiu a Presidência em 2006. Hoje, ela representa cerca de 40% das exportações totais da Bolívia.
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O governo também está fazendo uma grande revisão do código minerador, buscando elevar suas receitas. Hoje, as mineradoras na Bolívia pagam royalties de 5% a 7%, um imposto sobre valor bruto de 13% e de até 37% sobre os lucros.
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Sob o novo código, as empresas deverão fazer sociedade com a Comibol, que ficará com as participação majoritária e 55% dos lucros. Recentemente, a Glencore firmou uma joint venture para a exploração de duas minas de chumbo, zinco e prata, transferindo a participação majoritária para a Comibol e se comprometendo em investir US$ 105 milhões em cinco anos.
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Apesar de toda a retórica do governo, as mineradoras bolivianas concordam com a necessidade de investidores estrangeiros. “No momento estamos revendo contratos, para torná-los benéficos para o Estado boliviano, mas podem ficar sossegados que a mineração privada continuará existindo, sem o envolvimento do Estado”, disse Héctor Córdova, presidente da Comibol, referindo-se à maior operação mineradora do país, San Cristóbal.
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Esta mina, controlada pela Sumitomo do Japão, produziu mais da metade dos minerais exportados pela Bolívia em 2011, desembolsando cerca de US$ 150 milhões entre impostos e royalties.
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De volta ao vilarejo minerador de Colquiri, Estakani, um ex-funcionário da Glencore, diz: “Queremos que os investidores nos ajudem a extrair nossos minerais. Mas apenas se eles nos respeitarem, se eles respeitarem nossas regras e se não levarem todos os lucros com eles”.
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Fonte: Valor Econômico
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