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Entrando nos trilhos

29 de outubro de 2012

rnModelo ferroviário brasileiro é questionado, mas, como está amarrado aos contratos de concessão, não pode ser mudado. Porém, nas novas ferrovias, as regras serão outras. Trens de passageiros podem vo

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Modelo ferroviário brasileiro é questionado, mas, como está amarrado aos contratos de concessão, não pode ser mudado. Porém, nas novas ferrovias, as regras serão outras. Trens de passageiros podem voltar à cena

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Todo brasileiro que tem carro particular sonha com o dia em que poderá viajar pelas estradas sem ter que disputar espaço com os caminhões. Sonha também em poder fazer uma confortável viagem em um trem de alta velocidade, realidade à qual os europeus estão acostumados há tempos. Na matriz brasileira de transporte, o caminhão responde por 58% da carga. Quanto aos passageiros, o trem está presente apenas no transporte metropolitano — metrôs e trens de subúrbio. Nenhuma das 26 capitais de estado, tampouco o Distrito Federal, está conectada por trens de passageiros.

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O Brasil tem uma malha ferroviária de 28,3 mil quilômetros e 12 concessionários de transporte ferroviário, que, com exceção da Estrada de Ferro Vitória a Minas e da Estrada de Ferro Carajás, transportam apenas cargas. Para um país de dimensões continentais como o Brasil, é uma malha pequena. A título de comparação, os Estados Unidos, um país pouco maior que o Brasil, têm 226 mil quilômetros de ferrovias. A Rússia tem um território que equivale a duas vezes o do Brasil. Porém, sua malha ferroviária é quatro vezes maior — 128 mil quilômetros.

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No Brasil, além de uma malha ferroviária pouco extensa, não há diversidade de uso. Do total da carga transportada, três quartos (76%) correspondem ao minério, com destaque para o minério de ferro — uma realidade que, diga-se de passagem, não nasceu com a privatização, pois vem desde a época da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), a antiga estatal ferroviária brasileira, privatizada em 1997. Em segundo lugar, entre os produtos que mais utilizam as ferrovias, vêm os grãos (11,5%). O restante da carga está dividido entre produtos siderúrgicos (3,77%), derivados de petróleo e etanol (2,79%) e insumos da construção civil e cimento (1,41%).

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A relação das empresas que integram a Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut) é formada por pouco mais de 30 delas, em sua maioria dos setores de  siderurgia, metalurgia e papel e celulose. Dessa relação não fazem parte as grandes mineradoras. Por uma razão muito simples: elas são as donas das principais ferrovias do país. A Estrada de Ferro Carajás, a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) e a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) são de propriedade da mineradora Vale que, por sua vez, é dona de 43,8% do capital da MRS Logística, detentora da concessão do trecho que permite o acesso aos portos de Itaguaí, no Rio de Janeiro; e Santos, em São Paulo.

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Pelos trilhos da Estrada de Ferro Carajás, a Vale, escoa o minério de ferro extraído da mina de mesmo nome, localizada no estado do Pará. A EFVM garante o transporte até o porto de Vitória, também para exportação, do minério extraído pela Vale em Itabira e região próxima, no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais.

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Pelas regras do modelo de privatização, a concessionária é detentora da linha férrea e também do direito de passagem, que é o direito de trafegar livremente com seus trens na área de concessão. Isso significa que por aquelas linhas podem passar somente os trens das respectivas concessionárias. Se uma carga tiver que ser transposta para a área de outra ferrovia, as concessionárias terão que negociar entre si o direito de passagem, sem o qual, por exemplo, um trem da Ferrovia Centro-Atlântica não consegue chegar ao maior porto brasileiro — o porto de Santos, em São Paulo.

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Em uma analogia simplista com o sistema rodoviário, seria o mesmo que, em uma rodovia privatizada, a concessionária fosse também a dona de uma transportadora, que, por sua vez, seria a única autorizada a transportar cargas no trecho do qual detém a concessão. Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), apenas 6% das cargas transportadas pelo sistema ferroviário brasileiro utilizam o direito de passagem.

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Esse é o cenário no qual está assentado um conflito que vem se arrastando há pelo menos dois anos, entre a ANTT e a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que representa todas as principais concessionárias. Com essa queda de braço o governo pretendia aumentar a extensão da malha ferroviária, obter uma maior utilização de todos os trechos, não apenas dos trechos principais de cada área de concessão, e a diversificação do mix de cargas transportadas.

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Para isso, a ANTT editou, em 2011, uma série de deliberações e resoluções. Uma delas regulamenta o tráfego mútuo entre as atuais concessionárias. Outra resolução fixa as regras para a mensuração da capacidade operacional de cada trecho da ferrovia. Também em 2011, o governo editou portaria na qual relacionou 33 trechos de concessões que estavam com baixo índice de utilização e determinou que as empresas apresentassem cronogramas de obras a serem feitas para que pudessem servir ao transporte de cargas, “no mínimo nas mesmas condições previstas” quando da assinatura dos contratos de arrendamento, em 1997.

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Dos 33 trechos, 22 são da ALL Logística, que atua, principalmente, no Sul e Centro-Oeste do país; oito são da FCA, que está presente em Minas, no Rio e em São Paulo, com ramificações na Bahia e Goiás; e três da Transnordestina Logística, responsável pela operação da malha que corta os estados do Nordeste. Segundo a ANTT, as empresa apresentaram os projetos, que ainda estão em análise pela agência.

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A medida mais recente foi a revisão, mês passado, dos tetos tarifários. Com a revisão, as tarifas caíram, em média, 30% em todo o país. A reação mais forte veio da ALL, que entrou na Justiça questionando a decisão da ANTT. Desde a privatização da malha da antiga RFFSA, esta foi a primeira revisão tarifária feita nos contratos.

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Rodrigo Vilaça, presidente-executivo da ANTF, queixa-se que o governo tem agido de forma unilateral em relação às empresas, recusando-se a aceitar sugestões encaminhadas pelo setor. Ele definiu como “áspero” o diálogo entre as duas partes nos dois últimos anos, quando, segundo ele, foram implementadas medidas que não faziam parte dos contratos de concessão.

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A ANTF considera um sucesso as concessões. Como avanços, a entidade destaca o aumento em 111,7% do volume de carga transportada entre 1997 e 2011; a renovação e ampliação da frota de locomotivas, que passou de 1.154 em 1997 para cerca de 5.000 em 2012; e de vagões, que eram de 43.816 em 1997 e hoje são da ordem de 140 mil. “O sistema é um sucesso. Se a ferrovia estivesse nas mãos do governo, não teríamos nem 500 quilômetros”, afirma o presidente-executivo da ANTF.

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Ele rebate a crítica quanto ao não uso de toda a malha. Segundo Vilaça, para cumprir a meta fixada em 1997 pelo governo de aumentar o volume de carga transportado, os concessionários não tiveram outra saída que não fosse a de concentrar suas atividades nos corredores mais rentáveis. Ele também nega que as empresas sejam obrigadas a expandir a malha com recursos próprios. “Não temos essa obrigação”, afirma o presidente-executivo da ANTF, que critica a forma como o setor tem sido cobrado. “O grau de exigência que tem sido feito a nós é desproporcional”, afirma Rodrigo Vilaça.

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Para a ANTT, as medidas postas em prática pela agência não alteram os contratos de concessão, constituindo apenas uma repactuação de metas. “Estamos inciando um novo momento da regulação”, afirma Carlos Fernando do Nascimento, diretor interino da agência. Ele afirma que o modelo atual de concessão gerou algumas distorções, que o governo espera corrigir. Uma delas é a subutilização de alguns trechos, situação, segundo o diretor da ANTT, incompatível com o interesse público.

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O presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Fernando Coura, considera natural a mineração ter forte presença nas ferrovias. Isso se deve à própria origem de muitas delas. Como exemplos, ele aponta a EFVM e a Estrada de Ferro Carajás, ambas construídas por uma mineradora, a Vale. A seu ver, o setor é um dos poucos da economia brasileira que tem a escala requerida pelo sistema ferroviário. “Sem a mineração, as ferrovias fecham”, diz o presidente do Ibram. Ele, no entanto, é a favor do novo modelo de concessão que está sendo proposto pelo governo, no qual está prevista a figura do operador ferroviário independente.

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Nos atuais contratos, por mais que o governo e a ANTT façam ajustes, a concessão tem regras imutáveis: o ponto central é que a concessionária é a detentora das linhas e do direito de passagem sobre elas. Ou seja, nos atuais contratos não existe brecha jurídica para o surgimento dos transportadores ferroviários independentes. Por outro lado, o país precisa de novas ferrovias para escoar sua produção e transportar passageiros. Para superar esses obstáculos, o governo decidiu criar um novo modelo de operação ferroviária, que foi anunciado em agosto pela presidente da República, Dilma Rousseff.

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Por esta nova regra, o concessionário é o “dono” da infraestrutura física e também do direito de passagem. A diferença é que a empresa é obrigada a vender todo o direito de passagem a um único cliente — o governo, que, este sim, o comercializa a terceiros. A medida, na prática, acaba com o monopólio do direito de passagem nas mãos do concessionário.

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A expectativa é que a medida viabilize o surgimento dos operadores ferroviários independentes. Ou seja, se uma empresa de transporte quiser constituir um braço logístico de operação ferroviária, poderá fazê-lo e colocar seus trens na linha. Porém, há um detalhe importante a ser observado: o novo modelo só vale para os trechos ferroviários a serem construídos de agora em diante, como a ligação Belo Horizonte-Salvador ou linha que ligará a ferrovia Norte-Sul ao porto de Ilhéus, na Bahia. Para os atuais trechos, nada muda. No entender de Carlos do Nascimento, as novas regras fazem parte de um processo de rediscussão do modelo ferroviário brasileiro. Como os atuais contratos permanecerão como estão, isso significa que, pelo menos até 2027, quando vencem, haverá dois modelos de regulação ferroviária no país.

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Porém, há outras cancelas a serem abertas que não apenas a do marco regulatório. Uma delas diz respeito à da cultura da própria indústria, que, imersa no círculo vicioso de que o transporte ferroviário é pouco acessível, acaba fazendo uma opção natural pelo caminhão. Entre os setores da indústria que poderiam utilizar mais as ferrovias, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta as siderúrgicas, as cimenteiras, a indústria de transformação e também a agroindústria, afirma Wagner Cardoso, secretário-executivo do Conselho Temático Permanente de Infraestrutura da CNI.

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Para ele, o sistema ferroviário brasileiro não atende plenamente à indústria, entre outras razões, pela baixa velocidade dos trens e pela dificuldade de acesso aos portos. Wagner Cardoso aponta também a pouca agressividade das próprias concessionárias em buscar novos clientes. Nesse sentido, ele acredita que a recente revisão do teto tarifário poderá aumentar o uso da ferrovia pela indústria.

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Outra instituição que também se queixa do sistema ferroviário é a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A entidade reclama do valor do frete e também da inexistência de vias em condições de fazer o escoamento da produção de grãos do Centro-Oeste a custo competitivo. De acordo com Luiz Fayet, economista e consultor em logística da CNA, a produção brasileira de grãos está, em sua maior parte, concentrada acima do paralelo 16, a linha imaginária que corta o país na altura do Norte de Minas, Sul de Goiás e Norte do Mato Grosso do Sul. Porém, a maior parte dos portos está ao sul desta mesma linha. Assim, para ser exportada, a produção de grãos do Centro-Oeste é obrigada a fazer um “passeio” que aumenta o seu custo em cerca de 20%, sem que o produtor possa repassar esse acréscimo ao comprador porque grãos são commodities cujos valores são definidos pelo mercado financeiro, não se levando em conta seu custo de produção. Segundo ele, o correto seria o país dispor de ferrovias com acesso aos portos de Belém, no Pará; e São Luís, no Maranhão.

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O assunto “transporte ferroviário” tem sido muito discutido na CNA, que, ano passado, tão logo a ANTT editou a série de resoluções que introduziram mudanças no sistema de funcionamento das concessões, enviou correspondência aos seus associados informando-os das medidas e solicitando que lessem os documentos. Na correspondência, a entidade manifestou sua expectativa de que as mudanças continuassem. “Não haverá milagre, mas já representa o início do caminho de racionalização dos custos logísticos no Brasil”, diz o documento da CNA.

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Outra cancela a ser aberta no sistema ferroviário é a da escala. Para que uma composição seja colocada nos trilhos, é preciso que a ela estejam conectados pelo menos 80 vagões. No Brasil, poucos setores, entre os quais está a mineração, têm escala para isso. Como a mineração é também dona de boa parte das ferrovias mais rentáveis do país, isso talvez explique, de um lado, a pouca agressividade do setor ferroviário em buscar novos clientes e, de outro, o pouco interessa da indústria por esse modal de transporte.

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A expectativa de Paulo Tarso Vilela de Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, é que, ao comprar e vender o direito de passagem nas novas ferrovias, o governo federal, por meio da Valec, ajude a quebrar esse círculo vicioso. O grande desafio, segundo ele, será saber se a Valec terá condições técnicas de executar essa missão, que, como ressalta Paulo Rezende, exige um conhecimento técnico muito sofisticado. “O modelo, em princípio, é bom porque vai impedir que o operador que tem carga própria a priorize. Ele vai universalizar o acesso ao direito de passagem. Na essência, o modelo novo é muito bom”, reforça Paulo Rezende.

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Para Fernando Coura, o projeto do governo é importante por três razões: na fase de implantação, vai aumentar  o consumo de produtos minerais e siderúrgicos;  quando estiver em operação, contribuirá para reduzir o chamado “custo Brasil” e, ao mesmo tempo, permitir o acesso a jazidas que existem mas não podem ser exploradas por falta de transporte ferroviário. A CNA também apoia a mudança do modelo das concessões por abrir caminho para os operadores ferroviários independentes. “Foi um negócio superinteligente. Estamos aplaudindo”, afirma Luiz Fayet.

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Outra distorção por ele apontada é o fato de o minério de ferro ser o principal produto transportado, situação causada pelo fato de as mineradoras serem também as sócias das empresas ferroviárias. “Alguns usuários reclamavam de tratamento privilegiado concedido ao próprio sócio”, afirma Carlos do Nascimento. Sua expectativa é que as medidas determinadas pelo governo corrijam as distorções dos contratos de concessão e, nos próximos cinco anos, o transporte ferroviário ganhe fôlego. “O empresário não pode ficar na expectativa de um contratante que seja o dono da própria ferrovia”, afirma o engenheiro civil com doutorado em transportes Hostílio Xavier Ratton Neto, professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Fonte: Clipping do Ministério do Planejamento

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