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Entrevista Maria José Salum: Dialogar é preciso

1 de outubro de 2012

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Nos últimos anos, o noticiário sobre as atividades das empresas de mineração sempre foi muito positivo. Os relatos eram, quase sempre, da abertura de novas minas e do aumento da cotação do minério de ferro no mercado internacional. Porém, mais recentemente, os conflitos que começaram a surgir entre mineradoras e grupos ambientalistas passaram a fazer parte desse noticiário. A Serra do Gandarela, no Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, talvez seja o ponto de discórdia mais visível. Lá, há uma extensa reserva de minério de ferro que os ambientalistas não querem que venha a ser explorada. A intenção é transformar a região no Parque Nacional da Serra do Gandarela. A engenheira de minas Maria José Salum acompanha atentamente esse conflito. Ela foi representante do Ministério das Minas e Energia no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e acha que os dois lados – mineradoras e ambientalistas – precisam mudar de postura. As empresas, a seu ver, devem se mostrar mais para a sociedade, respondendo aos questionamentos e, ao mesmo tempo, divulgando os benefícios que a mineração traz, inclusive para a própria região onde atuam. Já os ambientalistas, no entender de Maria José Salum, precisam conhecer melhor a legislação ambiental e compreender a mineração em um contexto mais avançado – o da sustentabilidade socioambiental. “Os dois lados têm que sentar e conversar”, afirma.

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Como a senhora vê a relação, hoje, do setor mineral com os ambientalistas? Estamos em um momento de entendimento ou de tensão?

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Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, o movimento ambientalista sempre começou de uma forma mais rígida, mais restritiva, no sentido, de fato, preservacionista. É natural e é bom que tenha sido assim, para que haja mudanças. No Brasil, nós estamos caminhando de uma proposta que é apenas preservacionista para tentar entender e absorver mais a questão da sustentabilidade, na qual o meio ambiente é uma das pernas.  Eu percebo este caminhar para o desenvolvimento sustentável a partir de um envolvimento maior, por exemplo, da questão social. A cobrança hoje é ambiental, mas é também social, o que mostra, claramente, que nós estamos caminhando mais para o eixo do desenvolvimento sustentável. Acho que demora um pouco, até porque a sociedade tem que ter uma compreensão melhor da própria atividade minerária.

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Ela tem essa compreensão hoje?

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Não, ela não tem. No mundo em que vivemos, uma conquista do ser humano, que é, por exemplo, o saneamento básico, não pode ser feita sem a mineração. Essa percepção dos usos e benefícios da mineração está um pouco longe. As pessoas sabem que a mineração está em tudo, mas a querem no quintal do outro.

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A senhora acha que é possível mudar esse conceito?

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É um conceito muito arraigado, mas, no meu entendimento, ele pode ser mudado e eu acho que a própria mineração tem essa obrigação, inclusive se expondo mais, se mostrando mais. É muito fácil apontar uma série de benefícios da mineração. É impactante? É. Então, vamos mostrar no que ela impacta e quais são as tecnologias disponíveis para o controle desse impacto. Eu acho que, de fato, a mineração, durante muitos anos, não respondeu a esse anseio do conhecimento. A mineração nasceu, na época da Colônia, de uma busca dos opressores portugueses pelas riquezas do país. Ela nasceu sob essa perspectiva de resistência, de não pagar o quinto. Tinha um viés político muito forte. Essa atmosfera política e econômica fez a mineração, de uma certa forma, se esconder. E eu acho que isso se perpetuou durante muitos anos. Hoje, a mineração tem se colocado mais para a sociedade. Acho que é um papel importante o de ela responder, realmente, a todos os questionamentos da sociedade.

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O movimento ambientalista mudou ao longo dessa trajetória, nos últimos 30 a 40 anos?

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Depende muito da organização ambientalista. No Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), eu tive a oportunidade de conviver com inúmeras ONGs ambientalistas. Lá, existiam 14 representações de organizações ambientalistas não governamentais. E a gente percebia, de uma forma muito clara, que algumas, de fato, tendiam a trabalhar as questões  ambientais com mais critério técnico e científico. Outras não. Algumas têm o viés estritamente preservacionista no sentido, inclusive, de uma preservação que não enxerga o lado científico e tecnológico. Então, você percebe algumas ONGs que conseguem ter essa dimensão da compreensão socioeconômica, embora continuem a cumprir seu papel, que é, de fato, o de ter um forte viés ambiental. Sozinho, o econômico não existe. Uma atividade econômica que não tenha sustentabilidade ambiental e social é de uma era já vencida.

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De uns três anos para cá, o Brasil está recebendo investimentos muito grandes na área de mineração. Porém, a gente percebe que há um mal-estar de algumas ONGs com a mineração. O que poderia ser feito para se chegar a um entendimento? É possível evitar um impasse?

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Essa é uma questão muito complexa. A chamada biodiversidade tem, às vezes, uma certa rigidez locacional. Os encantos da biodiversidade da Serra do Gandarela não estão espalhados por todo o Quadrilátero Ferrífero. O minério também tem uma rigidez locacional, talvez até maior que o da biodiversidade. Com a biodiversidade, o que acontece? Como a biodiversidade é viva, ela tende a se alastrar. Embora você tenha uma determinada espécie endêmica, que dá só ali, não em todos os lugares, o ecossistema, como ele é vivo, tem essa mobilidade para expansão, o que não acontece com os bens minerais. Então, eu tenho muito minério de ferro no Quadrilátero Ferrífero. O que ocorre são conflitos criados pela natureza, não pelo homem. Mas cabe ao homem decidir e trabalhar essas questões da maneira mais equilibrada possível. Eu acho que há uma solução equilibrada. Veja o caso do Gandarela. De fato, é uma área fantástica do ponto de vista da biodiversidade. Mas é também fantástica a reserva mineral que há lá. Então, os dois lados têm que sentar e conversar.

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Qual seria a responsabilidade da mineração nesse caso?

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Sabendo que a mineração é uma atividade que tem princípio, meio e fim, ela tem que planejar suas ações desde o início até o fim da lavra e ir recuperando e entregando as áreas recuperadas à medida que as vai minerando. São ações que hoje são feitas no mundo inteiro. É só subir a BR-040: você vai ver minas que estão em operação, mas com várias áreas já lavradas e recuperadas. O pacto futuro é o de reintegrar toda a área lavrada. Isso é, tecnicamente, possível.

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Estaria faltando o que, então, para o entendimento?

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O primeiro é a mineração conversar com a comunidade que é uma atividade que traz impacto. O que talvez a comunidade não entenda é que nós temos uma das melhores legislações ambientais do mundo. Foi-se o tempo em que a mineração podia ser feita de qualquer maneira. Ela tem que cumprir a lei. E essa legislação exige, por exemplo, que a empresa faça a averbação de uma reserva legal. Ou seja, a reserva legal que a mineração é, por lei, obrigada a implantar já é um legado ambiental para aquela comunidade. Mas a comunidade, normalmente, não sabe disso. Minha expectativa, minha esperança, é que as  organizações ambientalistas aprendam a trabalhar com a legislação para, inclusive, cobrar das mineradoras. Agora, durante o período de sua execução, a mineração traz impactos? Traz. Ela tem um impacto visual que não é muito bonito. Mas a agricultura também traz impacto. Vamos para a urbanização, que é muito forte na Região Sul de Belo Horizonte, e feita, inclusive, de forma desordenada. Você vê a propaganda (dos lançamentos imobiliários) informando que a Mata do Jambreiro será a vista definitiva do seu apartamento. E quem preserva essa vista? É a mineração. É isto que a comunidade tem que passar a entender: que os requisitos legais obrigam a isso e que você pode ter outros benefícios. A comunidade tem que se informar mais sobre a lei, porque é o instrumento de cobrança que ela tem. Por outro lado, acho que a mineração deve ser bastante clara com a comunidade.

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Nós tivemos, nos anos 70 e 80, o conflito dos ambientalistas com as grandes mineradoras, que foram as primeiras a se adequarem à lei. Ficaram, então, as médias e as pequenas. Como estas estão, hoje, do ponto de vista do cumprimento da legislação ambiental?

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Há hoje médias empresas que são exemplos de empresas ambientalmente sustentáveis. Eu tiro todas as médias mineradoras desse rol das que estão com problemas. Aí, chega-se às pequenas. Porém, pode-se ter uma pequena empresa que trabalha sobre bases sustentáveis, mesmo tendo um pequeno volume de produção mineral. Isso acontece quando a empresa trabalha com um bem mineral de alto valor econômico agregado, que exige tecnologia para ser extraído. Essa empresa pode ser pequena em termos de volume, mas incorpora alta tecnologia e também trabalha a responsabilidade socioambiental. Aí, eu vou para as muito pequenininhas, que, estas sim, têm problemas, de organização social e produtiva, como os garimpeiros, que existem até hoje no país inteiro.

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O garimpo não está meio em baixa no país?

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Não. Houve a questão de Serra Pelada, que chamou a atenção do mundo, mas as nossas gemas, todas, são produzidas em garimpos, com raríssimas exceções.

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Do ponto de vista ambiental, os garimpos estão cumprindo a lei?

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Não. E exigem um trabalho de apoio do Estado. No caso do garimpo, isso é muito difícil. Porque você só faz direito se você conhece a legislação, se conhece a técnica. A extração do minério sempre vai exigir, pela característica do produto, o uso de tecnologia. Sempre vai ser uma lavra mecanizada. O de gemas, não. A geologia do corpo mineral e a própria característica do minério pedem que a lavra não seja toda mecanizada e, sim, mais seletiva. Imagine se eu fizesse uma detonação em cadeia, como se faz em uma mina de minério de ferro. O que houver ali de turmalina, ametista ou água-marinha vai embora. Eu deixo de preservar as gemas. Então, o que dispensa a necessidade de alta inserção tecnológica para a produção de gemas é a característica geológica do bem que você quer aproveitar ali, porque, quanto mais intacto este sair, melhor. Não existe volume de produção de gema que se compare ao do minério de ferro Mas, quando eu estou falando do pequeno produtor de areia, se você pegar os dados disponíveis na página do Ministério das Minas e Energia, vai ver que a produção de areia é a mesma do minério de ferro. E esta produção não se dá em bases sustentáveis. Os produtores sujam o rio. Eles não sabem como fazer a extração. A grande mineração não é muito intensiva em mão de obra, mas ela é fundamental porque gera muito emprego em toda a cadeia produtiva. Sem aço, você não tem a indústria do cobre, do alumínio. Quando você vai para os pequenos, essa necessidade de inserções tecnológicas tão altas deixa de existir. É muito diferente produzir minério de ferro e produzir areia. Quando eu produzo areia, estou absorvendo trabalhadores que não têm especialização nem conhecimento. Minha experiência de trabalhar com os pequenos me mostra que a grande maioria deles não sabe sequer como se formalizar. Aí, eu acho que deve ter a mão do Estado. É a política pública para a sustentabilidade, para que eles, de fato, consigam trabalhar sobre bases ambientais sustentáveis. Porque o informal você não controla. O formal você controla.

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Qual seria o primeiro passo desse processo?

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Seria a organização deles em cooperativas. Sozinho, um garimpeiro nunca terá recursos para trabalhar a questão ambiental, porque qualquer atividade econômica que vá trabalhar sob bases sustentáveis é cara. Não é barata. Só é barata quando não se faz.

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Fonte: Estado de Minas

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