Incentivos fiscais para o petróleo e aumento de CFEM para a mineração
5 de setembro de 2017
Artigo | Fernando Scaff
Havia um programa humorístico na televisão denominado Balança Mas Não Cai, e, em um dos quadros, dois primos se encontravam para bater papo: um rico, interpretado pelo ator Paulo Gracindo, e outro pobre, interpretado por Brandão Filho. Cada qual reclamava da vida, com as dificuldades relativas à cada realidade. Um falava que o preço do espumante e do caviar estava nas alturas, e o outro tratava do preço do feijão; um reclamava dos negócios, que estavam indo de mal a pior em razão da queda na bolsa de valores, e o outro dizia que as pessoas não estavam mais dando esmolas, e por aí assim. O site de memórias da TV Globo[1] lembra que, em um dos episódios, “os primos conversavam sobre a fome: o Primo Rico dizia: ‘Olha aqui, primo, de uma coisa eu me orgulho. Nesta casa ninguém passa fome’. E o Pobre respondia: ‘Mas eu estou passando’. O Rico, então, enchia o primo de esperanças: ‘Mas será por pouco tempo. Principalmente você, que é meu primo, não vai passar fome aqui em casa’, e chamava o mordomo, Charles. ‘Leva o primo lá para fora. Aqui em casa você não passa fome. Vai passar fome na sua’, ordenava o Rico. E o Pobre, então: ‘Primo, você é ótimo!’. O Rico se despedia: ‘Primo, você também é ótimo!’”. Era muito divertido. Outros tempos…
Lembrei-me desse quadro humorístico ao observar algumas das medidas provisórias editadas nos últimos tempos. No dia 25 de julho, foram editadas as MPs 789, 790 e 791, que alteraram vários aspectos referentes à indústria de extração mineral, sendo o ponto mais destacado o aumento da carga tributária (CFEM), conforme comentei anteriormente. E vi que, através da MP 795, do dia 17 de agosto, outra indústria extrativista, a do setor petrolífero, foi beneficiada com incentivos fiscais e prorrogação de um programa de incentivos aduaneiros denominado Repetro, estendido até o ano de 2040 (Decreto 9.128, de 17 de agosto).
Até parece que as duas indústrias são radicalmente diferentes e que, por isso, têm que receber tratamento desigual.
Observando com lupa, verifica-se que ambas são indústrias extrativas: uma de minério, outra de petróleo, que, a rigor, não é minério (trata-se de um hidrocarboneto), embora, para fins jurídicos, o STF já tenha equiparado essas substâncias. As duas indústrias exploram bens esgotáveis, isto é, que só dão uma safra. Não se planta ferro ou petróleo, mas se planta soja ou milho. Logo, acabou a jazida, encerrou a atividade.
Os dois segmentos são importantíssimos para o desenvolvimento nacional. A autonomia energética, proporcionada pela indústria petrolífera, é um dos motores do nosso desenvolvimento ainda por muitas décadas, até a mudança da matriz para outras modalidades ecologicamente mais adequadas. A indústria mineral é responsável pelo saldo positivo de nossa balança comercial há vários anos, bem como abastece o mercado local em diversos itens importantes — você já imaginou se tivéssemos que importar ferro ou bauxita? O custo de produção de diversos bens que envolvem aço e alumínio explodiriam.
Ambas estão sujeitas ao imperativo da rigidez locacional, isto é, só podem ser exploradas no local em que a riqueza brotou, e não onde os fatores de produção sejam economicamente mais adequados. Será que alguma indústria, em sã consciência, preferiria explorar petróleo a sete quilômetros abaixo do nível do mar ou fazê-lo nas cercanias do Rio de Janeiro, se possível sem engarrafamentos para lá chegar com facilidade? Se pudesse optar, não haveria dúvidas sobre a escolha.
Poderia acrescer muitas outras semelhanças econômicas entre esses dois segmentos, mas passo a observar a parte financeiro-tributária.
A MP 795 estabelece que, para a determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, poderão ser integralmente deduzidas as importâncias aplicadas nas atividades de exploração e produção de jazidas de petróleo e de gás natural. Isso bem poderia ser adotado para a indústria mineral em razão de sua similitude, como acima explicitado. Afinal, qual a diferença?
Outra disposição da MP 795 estabelece que a despesa de exaustão das jazidas de petróleo e gás é dedutível na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL. Um dos gastos mais relevantes da indústria mineral é a despesa com fechamento da mina, que, de alguma forma, se assemelha à exaustão para fins petrolíferos. Trata-se de um momento economicamente muito difícil, pois a receita se torna declinante, e os gastos se ampliam, visando recompor o meio ambiente em razão da extração realizada. Considerando que os impactos da atividade mineral ocorrem em terra, e os do petróleo se dão no mar, a importância da equiparação desse benefício fiscal se torna mais significativo.
Além disso, a MP 795 institui um regime especial de importação com suspensão do pagamento de alguns tributos federais sobre os bens importados, cuja permanência no país seja definitiva. Também aqui as duas indústrias se equiparam, pois os equipamentos são, em grande parte, feitos sob encomenda e inadequados para outras minas ou jazidas, uma vez que cada qual possui um formato e características geológicas distintas. Seguramente, grande parte dos equipamentos utilizados para a exploração no campo de Marlim não é adequada para a extração no campo de Enchova, embora ambos estejam na bacia de Campos. A mesma observação vale para os equipamentos necessários para extrair ferro na mina S11D em Carajás (Pará), e em Itabira, nas Minas Gerais.
Outro benefício concedido pela MP 795 é o da suspensão do pagamento de alguns tributos federais na importação ou na aquisição no mercado interno de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem para serem utilizados integralmente no processo produtivo. Por qual razão isso não seria aplicado à indústria mineral? As possibilidades de uso de embalagem no setor de petróleo são restritas, mas são muito significativas em um específico segmento da indústria mineral. Você já viu água mineral ser transportada sem ser em garrafas ou garrafões? Eu nunca vi. Porém, para o DNPM, o custo com a embalagem, imprescindível para seu transporte, não pode ser abatida da CFEM.
Quanto ao regime aduaneiro do Repetro, o comentário veiculado no site da Receita Federal para justificar a prorrogação é esclarecedor: “Os investimentos no setor de óleo e gás têm longo ciclo de maturação, de forma que se impõe estabelecer horizonte com regras claras e estáveis para fomentar esses investimentos, considerando-se que em pouco menos de quatro anos terminaria o prazo de fruição do regime”[2]. Qual a diferença para o setor minerário, cujos investimentos possuem a mesma característica de incerteza exploratória e longa maturação?
Enfim, dois pesos e duas medidas. Primo Rico e Primo Pobre, como no antigo programa humorístico da TV Globo. Para uns, redução de carga tributária; para outros, majoração de custos via CFEM. E tudo isso em cerca de 20 dias, veiculado por medidas provisórias.
Alerta importante: não é para o governo dar uma interpretação errada a este texto e majorar a CFEM do petróleo, equiparando-a à da mineração. Não é isso. A leitura correta é no sentido de estender os benefícios fiscais da indústria do petróleo para a da mineração. Nunca se sabe os limites interpretativos que se pode dar a um texto…
Conjur