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Para crescer, é preciso ampliar investimento público, afirma Bonelli

28 de dezembro de 2012

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Só a ampliação do investimento público em infraestrutura vai recolocar a economia brasileira na trilha de um crescimento mais robusto que os 2,7% do ano passado e em torno do 1% esperado para 2012, afirma um dos mais respeitados economistas do campo ortodoxo do país, Regis Bonelli, 70, coordenador-geral do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV).

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Apesar de a ortodoxia econômica ter seus pilares no respeito às regras do mercado e na parcimônia fiscal dos governos, Bonelli acha, que neste momento, o governo brasileiro pode até sair “um pouquinho” dos cânones, desde que para investir em infraestrutura e, com isso, combater a anemia do Produto Interno Bruto (PIB).

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Ao analisar a situação do tripé que sustenta a política macroeconômica do país (meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante), o ortodoxo Bonelli surpreende: “Acho que a situação fiscal é mais complicada [do que o câmbio com “flutuação suja”], mas, por outro lado, e agora vou ser bastante heterodoxo, como a economia está patinando, acho que, se for o caso de relaxar um pouquinho as restrições fiscais para fazer investimentos, vale a pena”.

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Bonelli, que foi um dos mais importantes quadros do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), considera urgente que o governo reveja a gestão dos órgãos que operam os investimentos públicos em infraestrutura, como o Ministério dos Transportes, para destravar o andamento dos projetos existentes.

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Para o economista, o capital privado está intimidado, particularmente, pela falta de crescimento da economia e não vai investir para valer enquanto não enxergar “uma luz no fim do túnel”. A seguir, trechos da entrevista:

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Valor: Qual a cara da economia para 2013?

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Regis Bonelli: É difícil a gente fugir muito do quadro que está se experimentando nos últimos meses. Eu espero, certamente, uma aceleração do nível de atividade em relação ao que se está observando nos últimos trimestres, mas nada de drástico. Por quê? Porque o sustentáculo do crescimento pelo lado da demanda tem sido o consumo das famílias. Dificilmente ele vai continuar crescendo às taxas que vem crescendo recentemente. Acho que haverá uma acomodação, por conta do endividamento, por conta do crédito que teve um avanço enorme nos últimos anos. Ele [o consumo das famílias] pode continuar sendo a sustentação do crescimento, mas não tão fortemente quanto nos últimos trimestres. O consumo do governo é uma incógnita. Eu não esperaria algo muito forte.

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Valor: Só consumo, ou consumo e investimento?

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Bonelli: Não, o investimento vou deixar para o fim. Ele é a maior das incógnitas. Estou começando pelas coisas que a gente acha que tem de melhor neste momento, que são o consumo das famílias e o consumo do governo. As exportações líquidas [exportações de bens e serviços menos importações de bens e serviços] provavelmente vão contribuir este ano positivamente. No ano que vem, não tem milagre. A China, provavelmente, vai acelerar um pouquinho em relação ao que cresceu neste ano, mas a Europa vai estar em recessão, e os Estados Unidos dificilmente vão crescer substancialmente. Na América Latina, onde o Brasil sempre foi um ofertante líquido de produtos industriais, estamos enfrentando barreiras muito fortes na Argentina e uma concorrência também muito forte da China. Então, eu não veria grandes possibilidades de crescimento das exportações de bens e serviços. As importações vão depender muito do nível de atividade e do câmbio. O nível de atividade vai vir morno. No câmbio, o Banco Central deve continuar impedindo grandes valorizações ou desvalorizações. Então, as exportações líquidas vão ficar muito perto do zero a zero. Sobra investimento. Essa é que é a grande incógnita. O governo teria, se ele fosse um melhor gestor, a possibilidade de fazer deslanchar o investimento público. Tem recursos, tem muito restos a pagar, tem muito investimento orçamentário aprovado, que não está conseguindo executar.

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Valor: O governo tem, inclusive, um planejamento forte para investimentos, não é?

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Bonelli: Exatamente. É preciso que haja uma virada gerencial nessa área. Em algum momento, acredito, a presidente Dilma Rousseff, que é muito pragmática, vai forçar uma mudança, um gerenciamento mais profissional no Ministério dos Transportes e em outros ministérios que têm um programa de investimentos aprovado a cumprir. Eu também confio no pragmatismo em relação às concessões. Eles [a equipe do governo] vão acordar para o fato de que fazer concessões, de forma que o Estado brasileiro fique com a parte do leão, dificilmente vai atrair o investidor privado. Leiloar aeroportos nos quais a Infraero tenha que participar com 50% não vai funcionar, como ficou provado. Não tenho detalhes, mas a missão que foi ao exterior para tentar atrair operadores privados de aeroportos voltou de mãos abanando.

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Valor: O sr. acha que o investimento privado está travado mais por desconfiança na política interna, ou por desconfiança na conjuntura mundial, como dizem as pessoas mais ligadas ao governo?

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Bonelli: Acho que ambos os motivos são verdadeiros, mas destacaria um terceiro: uma falta de confiança nas perspectivas de crescimento. A indústria, por exemplo, está com capacidade ociosa. O investimento estrangeiro quando vem, não é para “greenfield” (projeto novo). Ele vem para comprar empresas já existentes. Como as empresas estão com capacidade ociosa, elas não vão investir, não importa o que faça o BNDES. Ele pode baixar o juro a zero. O juro do BNDES é ligeiramente subsidiado, mas é juro, de alguma forma tem que ser pago, tem que ser honrado um dia. Enquanto o empresário não enxergar alguma luz no fim do túnel, uma perspectiva mais sólida de crescimento, não vai investir substancialmente. A nossa previsão aqui no Ibre é que a Formação Bruta de Capital Fixo no último trimestre deste ano vai cair novamente. Vai ser o sexto trimestre consecutivo de queda do investimento.

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Valor: O investimento vai cair no trimestre e no ano, é claro….

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Bonelli: No ano, sem dúvida. No trimestre vai cair 2%, e no ano minha estimativa é de 5% a 6%. Então, para sair desse nó, você tem uma solução. Não é um enigma absolutamente insolúvel. A solução é o investimento público! De alguma forma tem que ser viabilizado. Seja pela via de mais concessões ao setor privado, melhores e mais rentáveis, seja pelo lado do investimento público direto. Soltar as amarras do investimento público. Acho que este governo vai acabar adotando uma dose de pragmatismo maior do que tem adotado até agora. Em vez de fazer queda de braço, vai acabar entendendo que não se trata tanto de uma nova matriz econômica, ou de novo entendimento do setor privado. Trata-se de ser mais pragmático e aceitar que certas coisas não estão dando certo, e que podem ser mudadas sem prejuízo.

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Valor: Onde o governo pode mudar para ser mais pragmático, por exemplo?

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Bonelli: Em dois aspectos: tem que mudar o gerenciamento das obras do investimento público federal. Basta olhar o que foi realizado do Orçamento do setor público para investimento este ano. Posso estar enganado, mas foi algo como 40%. E os regimes de concessões têm que ser revistos. Veja o caso das concessões rodoviárias, feitas pelo menor preço. Está bem, houve ganhadores, os leilões tiveram vencedores, mas, pelo que se sabe, o estado das estradas é lastimável. Então, o menor preço não necessariamente garante o melhor serviço.

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Valor: O menor preço não gerou os investimentos previstos, não é?

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Bonelli: Não, não gerou os investimentos necessários, todo mundo sabe do “apagão” logístico que o Brasil enfrenta. E não estou falando desses recentes apagões elétricos em sequência não, é um apagão logístico mesmo. Fora isso [investimentos em logística], dado o Estado da economia mundial, não vejo grandes projetos. A China vai continuar comprando minério de ferro? Vai, mas isso são canais de suprimento que o Brasil já tem estabelecidos e não é por aí que a gente vai crescer mais.

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Valor: Como o sr. vê a política macroeconômica? O governo sustenta que o tripé metas e inflação, ajuste fiscal e câmbio flutuante continua em vigor. O sr. concorda?

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Bonelli: O câmbio é um regime que a gente chama de flutuação suja. Quer dizer, flutua, mas flutua com algum controle. Acho que a situação fiscal é mais complicada, mas, por outro lado, e agora vou ser bastante heterodoxo, como a economia está patinando, acho que se for o caso de relaxar um pouquinho as restrições fiscais para fazer investimentos, vale a pena. A inflação vai continuar pressionada, mas não muito. No ano que vem, provavelmente, a gente vai ter uma inflação de serviços menor do que a deste ano, porque o avanço do salário mínimo vai ser muito menor, e a gente sabe que a inflação de serviços está muito ligada ao salário mínimo. Alimentos é sempre aquela incógnita, mas, pelo menos no horizonte previsível, está em desaceleração. E energia elétrica, tudo indica que o Tesouro vai bancar o que a presidente prometeu, ou seja, um desconto de 20%. Isso aí dará um certo alívio na inflação, o que pode permitir você voltar atrás em certas medidas, como desoneração de IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados], dar um pouco de aumento para a gasolina. porque a Petrobras está sufocada. Acho que a inflação, se continuar esse quadro, não vai para o centro da meta não, mas nada indica que vai estourar.

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Valor: Então, a questão macroeconômica não chega a ser um grande problema para a retomada do crescimento?

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Bonelli: Não, acho que não, o investimento for retomado. A gente sabe que crescimento depende de investimento e produtividade. Se os dois deslancharem, o país melhora. Se não deslancharem, o país continua andando devagar, mas também não é caso de recessão. Principalmente levando em conta que a renda das famílias tem crescido muito, que há uma sensação geral de bem-estar.

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Sinceramente, não vejo uma situação muito difícil no futuro próximo. Mas acho que a gente mereceria ir muito melhor”

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Valor: Essa sensação de bem-estar tem levado algumas pessoas a dizer que a economia está crescendo por dentro, à revelia dos indicadores. Como o sr. vê isso?

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Bonelli: É possível. A renda está crescendo firme, não é? E como as pessoas estão podendo, muito mais do que antes, se endividar, a sensação presente de bem-estar é muito maior. O brasileiro tem essa coisa curiosa, ele preza muito mais o consumo presente do que o consumo futuro. Acho que vem do tempo da alta inflação, não sei, alguma coisa que está no nosso DNA, que valoriza mais o consumo presente do que o futuro. Então, enquanto tivermos crédito expandindo, e isso é uma coisa nova no Brasil, crédito na expansão que a gente teve nos últimos três anos é um negócio extraordinário. O estoque do crédito chegar a mais da metade do PIB? Isso era uma coisa impensável! Então, a gente está vivendo uma fase boa da festa. Por outro lado, não esperaria que o consumo fosse o motor do crescimento futuro. Acho que pode até acontecer um trimestre ou outro, mas não esperaria que fosse uma tendência de longo prazo. Acho que enquanto o investimento não recuperar… No ano que vem a gente vai crescer sim, vai crescer entre 2,5% e 3,5%? Vai. Agora, isso não vai resolver nossos problemas de infraestrutura, não vai resolver os problemas que a gente tem para diminuir a distância em relação aos países mais desenvolvidos e mesmo da América Latina, não é? A gente está vendo Chile, Peru, Colômbia e México indo muito bem. Até a Argentina está crescendo bastante. Só que a Argentina está correndo na direção de uma parede. A gente, não. Eu, sinceramente, não vejo uma situação muito difícil no futuro próximo. Mas acho que a gente mereceria ir muito melhor.

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Valor: O sr. diria que a gente tem horizonte, mas vai engatinhando?

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Bonelli: É, digamos que engatinhando rapidamente. Enquanto não deslanchar o investimento público em infraestrutura, boas concessões, a gente não vai sair desse engatinhar mais rápido.

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Valor: Nesse quadro, essas taxas de 2,5% a 3,5% são o limite da capacidade de crescimento?

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Bonelli: Não, não, o PIB pode crescer mais. Agora, isso é um dos mistérios que a gente não está conseguindo identificar direito. A gente tem importantes restrições de oferta, acredito que infraestrutura é uma restrição importante que está nos impedindo de crescer mais. O nosso potencial de crescimento estaria mais para 3,5% nas condições atuais. Agora, se o investimento recuperar, ele aumenta. Crescimento é investimento mais produtividade.

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Valor: A falta de aumento da produtividade explicaria o fato de estarmos praticamente com pleno emprego e crescendo tão pouco?

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Bonelli: Isso é um bom ponto. Na indústria há uma questão curiosa: como o mercado de trabalho está apertado, ela prefere reter pessoal com receio de perder uma mão de obra que está treinada e vir a precisar dela mais adiante e não conseguir mais. Isso faz com que a produtividade na indústria esteja crescendo a zero. Na construção civil não chega a ser um crescimento de produtividade brilhante, mas deve estar havendo algum. Os serviços são um setor muito heterogêneo. Tem partes onde a produtividade deve estar crescendo bastante, como nos serviços de informação. E tem a agropecuária. Nos macrossetores, o que mais tem aumentado a produtividade nos últimos dez, 20 anos é a agropecuária, não vamos esquecer disso. A tendência de longo prazo tem sido de crescer a 4% ao ano, expulsando mão de obra. Isso é ganho de produtividade. Agora, na indústria, que é o setor de produtividade mais alta por excelência, estamos andando de lado. São alguns mistérios… Daí o título do nosso Boletim Macro [do Ibre, edição de dezembro], que é “Surpresas, Dúvidas, Mistérios e Esperanças”.

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Valor: A China virou um pouco a fábrica do mundo. Qual seria o papel dos chineses nessa espécie de letargia da indústria brasileira?

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Bonelli: Obviamente, ela é uma concorrente poderosa, não só aqui dentro, como em terceiros mercados. Muito claramente, a gente está perdendo a América Latina para a China. Eles têm mão de obra barata, têm um enorme economia de escala… Eu acho que isso [a concorrência pesada chinesa] ainda vai acontecer por mais algum tempo. Agora, eu acho também que a China vai tropeçar antes do que a gente imagina. Todas as indicações são de que os salários por lá estão aumentando muito, há muita insatisfação quanto a salários baixos. Mesmo sendo um regime forte, autoritário, eles já estão experimentando realocação de fábricas para outros países com mão de obra mais barata. O ministro [Mario Henrique] Simonsen [ministro da Fazenda do governo Ernesto Geisel, e do Planejamento do governo João Figueiredo] tinha uma frase, que eu achava muito apropriada: “Nenhum processo pode ser exponencial o tempo todo”. Acho que a China vai começar a apresentar alguns soluços mais à frente.

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Fonte: Valor Econômico

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