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Artigo – Licença social para operar: transformando riscos em valor

30 de junho de 2017

Ana Lúcia Frezzatti Santiago é Doutora em Administração pelo Centro Universitário FEI e Economia, Empresa e Sociedade pela Universidade de Alicante, Espanha

A indústria mineral tem apresentado avanços tecnológicos importantes. Para acompanhar os ciclos de crescimento das últimas décadas, o setor se modernizou. Com o auxílio da automação, as empresas incorporaram novos processos de produção, investiram em programas de saúde, de treinamento e segurança dos funcionários para, na outra ponta, garantir o crescimento da produtividade e amenizar os impactos ambientais dos seus projetos.
 
Esses avanços, porém, não são tão expressivos assim na área social, principalmente quando se trata do relacionamento com as comunidades que vivem na área de influência das operações minerárias. Como o próprio setor reconhece, a falta de atenção a essa questão vai além dos costumeiros impactos negativos na reputação das empresas e revelam um significativo gerador de custos.
 
Mas não é somente no período de instalação de uma frente de lavra, por exemplo, que os custos se evidenciam. Eles também estão presentes na fase de operação e se materializam por meio da perda da produtividade ocasionada por atrasos temporários, bem como no período de encerramento das atividades, quando há custos indiretos decorrentes do tempo dedicado à gestão dos conflitos.
 
Um estudo realizado pela Universidade de Queensland envolvendo 50 empresas de mineração mostra que conflitos com as comunidades localizadas no entorno das suas minas representaram custos adicionais de US$ 750 milhões no projeto inicial desses empreendimentos. É nesse cenário mapeado pela instituição australiana, permeado de custos e ações reativas, que surge a Licença Social para Operar (LSO), uma estratégia corporativa proativa que propõe uma abordagem mais sofisticada na gestão de riscos dos conflitos, principalmente em atividades relacionadas à extração de recursos naturais.
 
O termo LSO foi citado inicialmente em 1997 durante uma conferência sobre mineração realizada no Equador pelo Banco Mundial. Atualmente, a sigla é utilizada por diversos órgãos e normas internacionais, a exemplo do ICMM – International Council on Mining and Metals, ISO 26.000, Minerals Council of Australia, Mining Association of Canada, entre outros.
 
A sigla é usada para descrever o resultado de um processo através do qual as operações das empresas são submetidas a aceitação da comunidade local. Segundo a consultoria Ernst & Young, a não obtenção da LSO é classificada como um dos principais riscos para a mineração.
 
Trata-se de uma estratégia – e isso é importante compreender –  que vai além da gestão dos riscos pois está diretamente relacionada ao gerenciamento dos impactos causados pelo empreendimento mineral e à criação de benefícios locais para adiante do tempo de vida útil da operação do projeto.
 
Na estratégia de LSO, as avaliações de impacto social e ambiental devem ser vistas como uma abordagem de gerenciamento contínuo ao invés de serem feitas pontualmente no início das operações, ou pelo menos conduzidas em intervalos regulares em torno de grandes marcos e mudanças do projeto mineral.
 
Uma Licença que não está no papel  
 
Apesar de abstrata, é um consenso que a LSO trata de uma licença intangível, não concedida por meio de um documento, mas sim por um contrato tácito realizado com a sociedade ou grupo social, que legitima, aceita, permite que um processo de extração mineral e processamento inicie e continue as suas operações. Também é senso comum o fato de a LSO ser primeiramente concedida pelas comunidades localizadas próximas às operações da empresa.
 
Um erro frequente tem sido tratar ações de responsabilidade social e investimento social da empresa como algo que isoladamente auxilia a LSO e mitiga os riscos. Tratar a Licença Social para Operar dessa maneira é ignorar a gestão dos impactos causados pelo empreendimento, bem como as políticas e processos operacionais praticados pelas comunidades. Significa olhar para as relações comunitárias apenas em termos de “investimentos realizados” e não como forma de construir um relacionamento estável, benéfico para ambas as partes envolvidas.
 
Mas a LSO não está acima do Bem e do Mal. A estratégia tem como ponto de partida propor a avaliação dos impactos sociais (negativos, cumulativos, de primeira ordem etc.) e ambientais do empreendimento como direcionador para o investimento social privado. Seu objetivo final é aliar as queixas legítimas das comunidades impactadas aos investimentos e benefícios gerados pelo empreendimento. Uma atuação sistêmica alinhada ao negócio e aos potenciais impactos.
 
Gerenciando a LSO
 
Mapear, conhecer os stakeholders da empresa e suas expectativas é essencial para a obtenção e manutenção da LSO, porém é importante conhecer e avaliar os impactos causados pelas operações junto a estes stakeholders, bem como entender como sentem (ou não sentem) esses impactos. São conhecidos os relatos de comunidades que se importam mais com a passagem livre para o seu rebanho por baixo da linha do trem, por exemplo, do que com significativos investimentos sociais.
 
Os mais céticos criticam a Licença Social para Operar por considerarem um conceito pouco definido. A busca no sentido de torna-a gerenciável, porém, é um desafio que aos poucos está sendo vencido, principalmente impulsionado pelo fato de que a sua não obtenção expõe a empresa a atrasos, elevação de custos, litígios e cancelamentos de operações.
 
Mas afinal, como gerir o processo e conseguir meios eficazes para se implantar uma estratégia de LSO nas mineradoras?
 
Em primeiro lugar, é importante levar em conta que é mais fácil identificar quando perde-se uma LSO do que quando ela é alcançada. O passo seguinte é compreender que se trata de um processo contínuo de negociação, passando pelo conhecimento, por parte da empresa, dos seus potenciais impactos socioambientais (positivos e negativos, cumulativos, de primeira ou segunda ordem etc.).
 
Obter uma LSO é antes e tudo garantir as boas relações com a comunidade, pois melhor do que uma boa apólice de seguro é ter a comunidade como parceira da empresa, inclusive em momentos críticos. Para o mundo corporativo, em especial o universo da mineração, Licença Social para Operar é, em resumo, uma questão de transformar riscos em valor.
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